terça-feira, 3 de março de 2009

Manifesto dos 119

Pelo Direito ao Emprego

Pela Liberdade de Expressão

Solidariedade com os Trabalhadores 

Despedidos da Controlinveste


A presente vaga de despedimentos na Controlinveste (Global Notícias Publicações/ Jornalinveste Comunicação) atinge 119 trabalhadores do Jornal de Notícias, Diário de Notícias, 24 Horas, O Jogo. Esta sangria representa à volta de 12% dos efectivos do Grupo. Correm rumores de que outras vagas estarão a formar-se no conforto dos gabinetes. Os jornalistas constituem mais de 60% dos desvinculados, friamente descartados. O outro contingente integra funcionários das áreas de recursos humanos, contabilidade e informática. Esta “redução” não tem cobertura da “crise global”. Não quer dizer que não se tenha definido o momento. Um bom guarda-chuva vem a calhar quando se faz correr “sangue, suor e lágrimas”. Mas só com uma dose de ficção científica este drama se encobrirá com “produtos tóxicos” bolsistas e apenas poderá acobertar-se parcialmente sob a capa da contracção da actividade económica nacional e geral. A janela de oportunidade tem mais a ver com a entrada em vigor do Estatuto do Jornalista e do Código Laboral, que acorrentam os profissionais a um sem número de “trabalhos forçados”. No que concerne ao Novo Estatuto, o jornalista foi consagrado, pela Força da Lei, como “topa-a-tudo”, “tapa-furos”, “tapa-buracos”, “black-and-decker” ou ogiva de cabeça múltipla das omnipotentes entidades multimédia. 


Quanto à génese real da crise neste Grupo, situar-se-á em expectativas não fundadas dos investidores, no défice de domínio do meio e de previsão de risco, na carteira de encargos bancários e nos desvios de projecto nas principais unidades: JN/DN. Nenhuma destas vertentes é da responsabilidade dos recursos humanos de base. Os recursos humanos de topo estão na origem deste modelo de investimento, gestão, direcção. A eles se deverá imputar a “baixa de vendas” e a “quebra de receitas”. A eles caberia assumir as consequências da intranquilidade ou do estado de saúde do Grupo. Atitude só expectável face a uma profunda alteração sociopolítica. O que, nesta ocasião, os impele é explorar as potencialidades do capital com confiança da capital (aqui sinónimo de Terreiro do Paço). Os resultados deficitários e os acidentes de grupo têm obtido suporte neste “compromisso estratégico”, na medida em que a Controlinveste produz resultados como rotativa ideológica do sistema.


A “reestruturação” agora anunciada castiga a parte que nunca foi chamada nem escutada na definição de um modelo empresarial mobilizador e vencedor. Cultura que não se pode resumir a amparos da “mão invisível do Estado”, a impulsos egocêntricos e a campanhas de “marketing”: implica promoção da competência, programação multilateral, diálogo interno, respeito pelas comunidades de leitores e pelo histórico das publicações. O corte autista com a realidade e a memória e a contratualização de fidelidades (não com os leitores ou sequer com os eleitores mas com alguns eleitos) traduziu-se em custos. Entre eles, estão os custos da incapacidade de leitura da evolução do sector e do grupo, os custos do desemprego no tecido empresarial e os custos do desapego aos valores matriciais de sucesso. A clivagem entre o produto jornalístico e o património de referentes e a afectividade dos leitores (hoje apenas tratados como consumidores) explica a perda de liderança do JN. Fizeram de um campeão um resignado ao segundo lugar. Mesmo assim, o colectivo JN tem procurado resistir a duas tendências editoriais da Direcção, sufragadas pela Administração: o desinvestimento no jornalismo de proximidade e de causas nacionais, regionais e metropolitanas e o investimento no jornalismo de enlatados e na governamentalização informativa-opinativa.  


Todavia, tudo sugere que os controladores do Grupo continuarão a nortear-se por parâmetros de descaracterização e de atrelagem ao Poder Político de Turno. A dinâmica foi herdada da Lusomundo/PT Multimédia, conglomerados de negócios que lançaram as bases do modelo. Uma retrospectiva desapaixonada mostra o desastre mas a Controlinveste continua a apostar no mesmo caminho: no cavalo do poder. De maneira que não admira que concentre os meios junto do poder. A desertificação regional é um dos espelhos de tal Indústria de Influência: as Delegações do JN de Aveiro, Braga, Coimbra e Leiria serão reduzidas a um piquete. O Jogo também contrai o corpo das Secções mas deslocaliza para Lisboa a Secção Internacional. Quanto ao DN, foi decidido que passaria a ser um matutino da capital: as delegações do Porto e Coimbra são dotadas de um aparelho mínimo e a delegação de Leiria é riscada do mapa. Neste emagrecimento do organigrama, o 24 Horas prevê o encerramento da Delegação do Porto. Os jornais perdem olhos e ouvidos das populações que mais precisam de saber ver e ouvir, de ser vistas e de ser ouvidas. Este tipo de manobras de campo, secagem de Delegações e deslocalização de Secções tem cadastro. Ainda no tempo do accionista PT/Multimédia, foi extinta a redacção no Porto da revista dominical Notícias Magazine, reforçando-se com ares de arrancada gloriosa a componente redactorial da capital. Na altura, centenas de personalidades de todos os quadrantes da Região Norte subscreveram um abaixo-assinado de protesto. Em vão. Nem a assinatura do Bispo do Porto comoveu algum cristão multimédia. Até se andou a germinar ou a marinar a fusão dos títulos JN/DN, compactando projectos e corpos laborais. Fantasia de gestão que ainda mantém adeptos nas fileiras do Centralismo e do Pensamento Único. Mais tarde, deslocou-se a Editoria Política para Lisboa. A obsessão de conquistar a capital saiu frustrada. A capital é que conquistou o Jornal de Notícias. Houve quem avisasse. Em vão.


Também, segundo carta recente de um grupo de jornalistas do DN, seleccionados para despedimento, se põe a tónica no “desvio editorial, bem como nas diárias violações do Código Deontológico dos Jornalistas”. Os dois títulos têm desbaratado capital de confiança e de independência, desguarnecendo as aspirações empresariais de longo prazo e os interesses sociais, regionais e nacionais a troco de uma linha oficialista e negocista. É nossa opinião que jornais, como o JN, com 121 anos ou o DN, com 144, têm particular obrigação de olhar para os respectivos percursos e tirar as correspondentes lições de identidade, consolidação e sobrevivência. Também algo de sintomático e alarmente se depreenderá do facto de não haver conhecimento de despedimentos em massa durante a centenária vida do JN e do DN. Mas estão em curso em 2009. Despedimentos colectivos e, segundo os visados, simultaneamente “selectivos”. Tão “selectivos” ou primariamente maquinados que “não poupam lactantes, a mais nova das quais com um bebé de dois meses, mães com vários filhos menores, casais, deficientes motores, transplantados, delegados sindicais”. 


Que razões se ocultam nos bastidores destas directivas ou decretos de emergência? Serão indispensáveis? Irão resolver a crise que paira no Grupo ou agravá-la? Não estarão os autores reais e morais da crise a descarregar o passivo sobre o elo mais indefeso e vital da Controlinveste? É nossa opinião que os projectos do Jornal de Notícias, Diário de Notícias, 24 Horas, O Jogo, sem excepção, carecem dos quadros escolhidos para “abate”. Provavelmente serão dispensáveis os “abatedores”. A sua manutenção é o que nos parece verdadeiramente incomportável. É, pois, com apreensão que se observa a apresentação da factura da crise aos que tudo fizeram para merecer o posto de trabalho. Inclusive - recorrendo, de novo, ao exemplo DN - suportando um ciclo de descompensações: “há cerca de uma década que não existem promoções no DN e há três anos que os aumentos têm sido nulos para ordenados superiores a mil euros”.


Entretanto, na véspera do anúncio do despedimento colectivo, o Grupo contratou jornalistas em condições generosas. Igualmente mantém uma grelha de privilégios para premiar os executivos do Grupo, cujas perspectivas e opções conduziram a saldos pouco lisonjeiros, que procuram superar eliminando dos gráficos uma série de trabalhadores e impondo aos que ficam um regime de acrescida dependência. No entanto, a situação económico-financeira não esclarece todas as variáveis. Não somente pelo último lote de contratações ou pelas honrarias da elite Controlinveste. Não se divisando um iminente sufoco de tesouraria, certo é que este despedimento colectivo/selectivo também não mostra ter como objectivo uma requalificação de quadros. Estará antes em marcha um saneamento de pessoas não gratas ou menos moldáveis aos rolos do seguidismo e aos compressores do economicismo. Expulsam-se os mais difíceis de normalizar ou menos ágeis no jornalismo “todo terreno” e transfere-se o trabalho para os colegas que restam e que se sentirão sobremaneira condicionados nas reivindicações. Fontes diversificadas apontam para uma vassourada ideológica e mercadológica. A porta está bem sinalizada. A ideia não é original: foi abundantemente concretizada, desde a década de oitenta, sob a batuta do fraterno êxodo, registado para o devir e o deve-haver como processo ou método das “rescisões amigáveis”. Agora, o expediente é mais rápido, barato e brutal. 


Expurgo, na actualidade, também facilitado pela aprovação dos diplomas da Concentração Empresarial, do Estatuto do Jornalista e do Código de Trabalho, que diligentemente criaram a moldura para o quadro que aqui se retrata. Na verdade, o labor de um jornalista pode ser livremente utilizado nas várias publicações e estações. Com a mesma matéria enche-se o cabaz mediático. As publicações passarão a ser irmãs gémeas, alinhadas e uniformizadas. A reprodução tenderá a ser a mercadoria dos novos “criativos”. E ponto final ou, pelo menos, ponto e vírgula nalgumas manifestações contestatárias: os jornalistas do JN serão forçados a editar o DN e os de O Jogo a garantir o 24 Horas, de qualquer posto de comando audiovisual ou “on-line”, sem limite de título nem de horário. Já na fase preparatória das privatizações, o Governo do agora presidente da República (que promulgou o Estatuto e demais instrumentos de coacção) alterou a Lei de Imprensa, tornando meramente consultivo o até então parecer vinculativo dos Conselhos de Redacção, de modo a entregar redacções castradas ao Poder Económico. 


Não poderíamos, nestas circunstâncias, calar a nossa voz de cidadãos-leitores perante uma política que comporta três níveis de efeitos: em primeiro lugar, são jogados na rua 119 trabalhadores, sem razões sérias, cortando-se com um padrão de comportamento; em segundo lugar, o Porto, a Região Norte e a Região Centro sofrem mais um desperdício de cérebros necessários a um jornalismo activo e plural; em terceiro lugar, um despedimento com esta carga de implacabilidade, empreendido por diários de longo magistério, acabará, se não for tenazmente denunciado, por ser aproveitado como doutrina de conjuntura. Afinal, os jornais que reportam criticamente as calamidades sociais também são agentes e fautores da calamidade. 


Temos consciência de que este desfecho não é um acto caprichoso e solitário no universo da Comunicação Social. As tendências concentracionárias (políticas e empresariais)  têm estimulado este espírito, mesmo que, como é o caso, venham a penalizar o futuro desempenho das publicações. Outros processos de despedimento colectivo/selectivo têm ocorrido ou estão na forja em órgãos diversos. Também o Estado, através da tutela governamental, inspira este clima de fractura e reconcentração, de que é paradigma o esvaziamento de autonomia da RTP/Norte. Política que, a par da extinção de O Comércio do Porto e do “fecha-e-abre” de O Primeiro de Janeiro, acentua a irrelevância do Porto/Norte como pólo de afirmação territorial e interlocutor nacional. Nos últimos cinco anos, a pronúncia do Norte perdeu 180 jornalistas.


Neste cenário, que reclamaria, mais do que nunca, uma cultura empresarial com garra competitiva e cunho humanista, apelamos a todas as instâncias para que revejam, se lhes é possível, as suas tabuadas de mercado e de mérito, e no que toca às instituições do Estado, que pautem a sua prática e a sua acção legislativa acima de toda a suspeita de promiscuidade com o “vale tudo” do “capitalismo desregulado” e da macrocefalia como princípio de desenvolvimento. Recusamos uma sociedade balizada em concepções e procedimentos que acabam de fazer em todo o mundo a prova catastrófica da incompetência, da iniquidade, da maximização do livre arbítrio. Com esta exposição e estes pressupostos consideramos ser um gesto de solidariedade e cidadania assinar este manifesto:


Contra o despedimento colectivo/selectivo no Jornal de Notícias!

Contra o despedimento colectivo/selectivo no Diário de Notícias!

Contra o despedimento colectivo/selectivo no jornal 24 Horas!

Contra o despedimento colectivo/selectivo no jornal O Jogo!


Porto, Março de 2009

1 comentário:

Manuela Silva disse...

Dou-vos as palavras do poeta, com dez reis de esperança, porque ainda que pequenina, ela alimenta a luta e é URGENTEMENTE precisa!
Manuela Silva, professora

Dez reis de esperança
Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde me vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos à boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.

António Gedeão